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23 de fevereiro de 2016

O desafio da maternidade e o problema das pessoas acharem que existe receita pra tudo na vida

Não consegui achar um título melhor, desculpa tá? 


O que acontece é o seguinte teve esse desafio da maternidade no facebook que encheu o saco nossas timelines de fotos e relatos de mães sobre como é lindo e pleno ter filhos. E também teve toda uma polêmica de mães que se sentiram incomodadas com essa romantização da coisa toda e tentaram deixar bem claro que nem sempre é lindo, às vezes você tem vontade de afogar a cria na banheira e se afogar junto depois, que muitas vezes não existe suporte nenhum por parte dos pais que foram carinhosamente apelidados de “pai de selfie”, já que gosta de ostentar os fióte arrumado e cheiroso nas redes sociais, mas trabalhar que é bom pra aquela bunda ficar limpa não.


Acontece que coincidentemente, ou não, comecei a ler nesses tempos o livro “Precisamos Falar sobre Kevin”. Ainda to lendo na verdade, mas achei essa parte tão coincidente com essa polêmica toda que resolvi vir aqui falar sobre. Daí que esse livro é contado em cartas (pelo menos até onde eu li) pela mãe de um rapaz que cometeu homicídio em massa, tipo esses malucos que entram numa escola e saem matando geral. As cartas são todas para o atual ex-marido. E ela vai contando um pouco de como foi a decisão de se tornar mãe sem nunca óbvio imaginar o que ela estava colocando no mundo.


E aí teve esse trecho em que ela lista todas as razões pelos quais à época não queria embuchar. Venha com a titia e leia aqui: (sim eu coloquei o trecho inteiro porque vale a pena)

“Caso eu tivesse enumerado as desvantagens da procriação, “filho pode acabar sendo assassino” jamais teria aparecido na lista. Na verdade, ela teria sido algo mais ou menos assim:

1. Pentelhação.
2. Menos tempo só para nós dois. (Que tal tempo nenhum só para nós dois?)
3. Os outros. (Reunião de Pais e Mestres. Professores de balé. Os amigos insuportáveis das crianças e seus insuportáveis pais.)
4. Virar uma vaca gorda. (Eu era esbelta e preferia ficar como estava. Minha cunhada teve varizes durante a gravidez, aquelas veias enormes nas pernas dela nunca mais desincharam e a perspectiva de ver minhas panturrilhas se ramificando em radículas azuis me torturava mais do que eu poderia admitir. De modo que não admiti nada. Sou vaidosa, ou já fui um dia, e uma de minhas vaidades era fingir que eu não tinha vaidade.)
5. Altruísmo artificial: ser forçada a tomar decisões segundo o que é melhor para uma outra pessoa. (Eu sou pavorosa.)
6. Redução nas minhas viagens. (Note que eu disse redução. Não fim delas.)
7. Tédio enlouquecedor. (Eu achava criança pequena uma chatice inominável. E, desde o princípio, sempre admiti isso para mim mesma.)
8. Vida social imprestável. (Nunca consegui ter uma conversa decente na presença de crianças de cinco anos na sala.)
9. Rebaixamento social. (Eu era uma empresária respeitada. Assim que aparecesse com uma criança a tiracolo, todos os homens que eu conhecia — e todas as mulheres também, o que é deprimente — deixariam de me levar tão a sério.)
10. Arcar com as consequências. (Procriar é saldar uma dívida. Mas quem quer saldar uma dívida da qual se pode escapar? Tudo indica que as mulheres sem filhos escapam impune e furtivamente. Além do mais, de que adianta pagar uma dívida para o credor errado? Só a mais desalmada das mães poderia se sentir recompensada da trabalheira ao ver a própria filha levando finalmente uma vida tão horrenda quanto a sua.)

Essas, pelo que consigo me lembrar, foram as minúsculas apreensões que eu pesei de antemão, e note que tentei não contaminar a ingenuidade bestificante delas com o que de fato ocorreu. Obviamente, os motivos para continuar estéril — e que palavra devastadora, essa — eram todos incômodos tolos, sacrifícios insignificantes. Eram razões egoístas, maldosas e mesquinhas, de sorte que qualquer mulher que compilasse uma tal lista e optasse por manter sua vidinha arrumada, sufocante, estática, ressequida, sem saída e sem família era não apenas míope como também pavorosa.

No entanto, ao contemplar agora esse rol, constato, surpresa, que, por mais condenáveis que sejam, as reservas convencionais à procriação são todas muito práticas. Afinal, agora que os filhos não aram mais nossas terras nem nos dão guarida quando ficamos incontinentes, não há motivo sensato para tê-los.”



Eu diria que não precisaria complementar mais nada depois desse trecho do livro porque é autoexplicativo, mas não sou dessas.


O que tô querendo dizer juntando tudo isso é que as pessoas precisam urgentemente parar de querer cagar regra na vida das pessoas. Nada na vida de ninguém é igual, ninguém é igual, relacionamentos nunca serão iguais por consequência, afinal se as pessoas são diferentes todas, imagine a análise combinatória destes encontros. 


Fazer tudo “certo” não é garantia de sucesso porque não somos máquinas. Nós temos sentimentos, nós somos imprevisíveis, nós surtamos, nós ~desamamos, nós morremos.


A gente precisa para de achar que a vida é homogênea e precisa parar de justificar nossas opiniões com “mas comigo não aconteceu assim”. MIGA, se contigo não aconteceu parabéns, você quer palmas?


Eu quero ter filhos, hoje eu quero. Já não quis por muito tempo e ainda morro de medo inclusive de alguns dos itens da lista do livro, que poderiam tranquilamente entrar na minha. Mas sei que a minha experiência vai ser construída por mim mesma e pelo meu filho. Vocês podem cagar as regras que quiserem. Essa é a verdade.


Seria legal pra caramba se as pessoas fossem realmente honestas sobre suas experiências de vida nas redes sociais. A gente poderia ter um grande banco de dados de experiências pra se identificar com alguma que fosse coincidente, poder compartilhar, conversar sobre, sem julgamentos.


Mas infelizmente, nossa grande verdade hoje é que achamos que fazer do nosso jeitinho que é o certo, tão certo e perfeito que precisamos espalhar a receita de “como fazer certo” pra todos. Dando chiliques, claro, quando disserem que “queridinha, cala a boquinha que não é bem assim.” (Rosinha, te dedico)


Vamos todos entender que experiências são únicas e que a vida do coleguinha tem um monte de realidades que são totalmente diferentes das nossas e por isso a forma que nós estamos tentando enfiar a força na realidade da pessoa não vai caber?


Vamos praticar a empatia e o amor e respeitar a vida do amiguinho pra gente viver num mundo mais legalzinho e não querer diariamente que um meteoro acelere e caia por aqui e acabe com o problema de vez? Vamooosss!!! 



Um comentário:

  1. Que legal esse trecho do livro (eu só vi o filme). Acho todas questões muito válidas e são coisas que penso muito, penso em ter filho lá pelos 35 exatamente pra poder viver ao máximo várias outras coisas e não correr o risco de sentir que uma criança interrompeu algo na minha vida.

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